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terça-feira, 14 de fevereiro de 2012

Guerrilheiros jogam golfe apesar de conflito em Mianmar

Esterco de búfalo pode ser visto na grama, meninas usando chinelos carregam os tacos de golfe dos jogadores e enquanto isso uma briga contra o Exército birmanês acontece à meia hora de distância da cidade de Laiza, em Mianmar. Há também um acampamento com cinco mil desabrigados, logo após uma curva na estrada.
Uma guerra está para acontecer no Estado de Kachin, mas o Clube de Golfe de Laiza não sofreu nenhuma alteração ou sequer parou para uma reflexão sobre sua clientela.
Foto: NYT
Soldado do Exército Independente do Kachin observa jogo de golfe em Laiza, Mianmar (09/01)
Autoridades de alto escalão do Exército da Independência de Kachin, a guerrilha que está tentando defender seu território montanhoso ao norte de Mianmar contra as tropas do governo, chegam ao clube vestindo camisas pólo e equipados com tacos de golfe feitos na China. O estacionamento de terra fica lotado nos finais de semana com veículos utilitários esportivos dirigidos pelos generais.
"Jogar golfe faz com que a mente das autoridades fique mais concentrada para tomar certas decisões", disse o coronel Maran Zaw Tawng, 45, secretário do clube, após a primeira tacada no quarto buraco, um par 4 com 358 metros de percurso.
O campo de golfe de seis buracos pode estar entre os mais improváveis do mundo, mas é aberto ao público, mesmo em tempos de guerra. Qualquer um pode jogar uma partida por um dólar, embora a maioria dos jogadores aqui seja militares ou oficiais civis do governo, como os dois que estavam jogando com o coronel e um major em uma manhã recente.
Jogar golfe em zonas de guerra não é exclusivo para o Kachin. Durante a Guerra do Iraque, soldados americanos estacionados na infame prisão de Abu Ghraib davam tacadas com algumas bolas de golfe no telhado. Mas o percurso de Laiza fica em um ponto particularmente perigoso, na fronteira entre Mianmar e a China, e em uma cidade cobiçada pelo exército birmanês.
Dizer que o conflito não afetou o jogo seria uma mentira. Algumas autoridades de Kachin jogam apenas uma vez por semana – antes eram três vezes ou até diariamente. E os generais de Kachin não podem mais jogar com os seus homólogos birmaneses, como faziam durante tempos de paz.
"Costumávamos ganhar deles, é claro", disse o brigadeiro general Maw Gun Sumlut, 49, vice-chefe do exército de Kachin e fundador do clube de golfe.
Um cessar-fogo com Mianmar, que durou 17 anos, terminou em junho e os militares agora estão levando o Kachin mais para dentro das montanhas. Cerca de 70 mil moradores fugiram. O exército Kachin ainda tem poder sobre Laiza, a capital da região autônoma de Kachin, onde os generais estabeleceram um centro de comando no quarto andar de um hotel. Portanto, apesar de bombardeios em outros lugares, o campo de golfe continua intacto.
Gun Maw teve a ideia de construir um campo de golfe na região, perto das margens de um rio que forma a fronteira, depois de uma viagem que ele fez para Yangon, a maior cidade de Mianmar. Ele participou de uma conferência nacional em 2004 para discutir a reconciliação com o governo de Mianmar. Algumas autoridades jogaram golfe juntas pela primeira vez, a convite das autoridades birmanesas.
"Ao invés de atingir verdadeiros resultados políticos, aprendemos a jogar golfe", disse um porta-voz de Kachin, Kumhtat La Nan, 46, que também participou da conferência.
O golfe tem história em Mianmar. Em cidades grandes, é comum encontrar campos de golfe onde a elite joga. Yangon tem um percurso de 36 buracos. Na metade do Estado de Kanchin, controlado pelos birmaneses, as cidades de Bhamo e a capital do Estado, Myitkyina, têm campos de golfe.
O campo de Laiza foi desenhado por Nay Min, um proeminente hindu birmanês que vive em Myitkyina. Uma vila ficava no local, porém foi destruída em 1991 por inundações e deslizamentos de terra. Um memorial de concreto branco no quinto buraco foi construído para as vítimas.
A construção do campo começou em 2006 e demorou um ano. O maior buraco é um par 5 de 580 metros. Existem 15 depósitos de areia, e uma tacada ruim poderia facilmente enviar a bola para uma plantação de banana.
O clube é financiado e administrado pela Organização da Independência de Kachin, um departamento político do Exército. Ele emprega seis funcionários que fazem a manutenção do campo, um segurança e um homem que mantém a casa de máquinas. No clube, um telhado de madeira cobre uma parte de terra com uma mesa de madeira e bancos, onde os jogadores bebem cerveja.
O Kachin geralmente faz quatro torneios por ano no clube, geralmente durante as férias. O Coronel Maran Zaw Tawng, secretário do clube, apontou para um quadro branco com nomes e números que representavam as estatísticas do último torneio, no dia 1º de janeiro: a tacada de mais longa distância, 284 metros, o maior número de “birdies”, dois, e o maior número de acertos abaixo do par do buraco, 11.
Os jogadores foram divididos em dois grupos com base em seus handicaps. O coronel apontou para o seu nome na placa - ele terminou em sétimo, de 13 em sua categoria. "Não tenho muita prática no jogo curto", disse o coronel, que é diretor de estratégia e pesquisador para o exército de guerrilha. "Quando estou jogando perto do buraco, fico muito animado e cometo muitos erros.”
O coronel sempre gostou do esporto, desde a infância ao lado de um campo de golfe em Myitkyina, disse ele. Quando começou a aprender, alguns anos atrás, Nay Min, o designer do campo de Laiza, foi um de seus professores. Ele também assistia muito campeonatos de golfe na televisão. Seu jogador favorito é Tiger Woods.
"Realmente aprecio a capacidade de Tiger Woods de corrigir seus erros", disse o coronel. "Se ele comete um erro em um lugar, consegue corrigi-lo em outro." Perguntado sobre sua opinião quanto à turbulenta vida pessoal de Woods, o coronel riu. “Não ligo muito para sua vida pessoal, só estou interessado na maneira como joga.”
Um dos civis que jogavam com o coronel nesta manhã era Samda Bum Hkrang, 36, um administrador civil que percorreu o trajeto usando um boné vermelho e calça jeans (e jogou com um handicap de 14).
"Comecei a jogar em 2007", disse ele. "O golfe é meu esporte favorito, porque faz bem para minha saúde e me ajuda relaxar."
O coronel disse que não havia retornado à sua cidade natal, Myitkyina, para jogar desde 2010, quando as tensões começaram a aumentar entre os Kachin e o governo de Mianmar. Durante o cessar-fogo, os oficiais de Kachin às vezes eram convidados para participar nos torneios que aconteciam anualmente em Myitkyina. "Não vamos mais até lá para jogar", disse o coronel. "Se fizéssemos isso, provavelmente iríamos presos."
Havia apenas mais alguns buracos para que acabassem a partida e pudessem ir tomar uma cerveja, para depois voltarem à guerra.
Fonte: Último Segundo

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